Quando, oprimido pelo avanço das forças nazistas na Europa, Walter Benjamin escreveu as suas teses “Sobre o conceito de história”, nos lembrou de não perder de vista a luta pelas coisas “brutas e materiais”, sem as quais não existem “coisas finas e espirituais”, como “confiança, coragem, humor, astúcia e firmeza”. A combinação desses dois conjuntos de elementos propostos pelo filósofo alemão parece nunca ter sido tão necessária para enfrentar uma doença de dimensão global, lente de aumento para as imensas desigualdades que já nos acometiam há tempos. Nessa ampliação, enxergamos mais de perto as calamidades que, na catástrofe da disseminação da covid-19, acometem as mulheres: maioria das responsáveis pelas atividades de cuidado nos serviços de saúde e, portanto, mais expostas à contaminação; empregadas em setores de serviços de baixos salários, em contato com o vírus no ambiente de trabalho e, na singular perversidade da situação brasileira, muitas vezes ainda suscetíveis a escolher entre a bolsa ou a vida, obrigadas a cuidar da família para a qual trabalham, já que a formalização de seus empregos também é precária.
Tudo isso leva a crer que estão em melhores condições de ficar em quarentena as mulheres sobrecarregadas “apenas” pela combinação entre tarefas domésticas, cuidados com os filhos e exigências de trabalho a distância, como nesses relatos de mães sozinhas com seus filhos em Nova York. O epicentro da calamidade dentro da quarentena é o aumento exponencial dos casos de violência doméstica, estimado em pelo menos 20% nos 193 países membros da ONU, conforme relatório do Fundo de População das Nações Unidas. A previsão é de pelo menos 15 milhões de casos a mais em 2020, consequência direta das restrições impostas pela pandemia. Continua no link.
Artigo publicado na íntegra na revista serrote, na série #imsnaquarentena.
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