Silvia Federici nasceu na Itália, em 1942. Ela é uma filósofa que tem toda a sua trajetória profissional marcada pelo seu ativismo e muito do seu trabalho é atravessado pelas experiências que marcaram diretamente seu percurso, como, por exemplo, a luta por salários para o trabalho doméstico (The Wages for Housework Campaign - WfH), um movimento que foi impulsionado nos anos 1970 pelo Coletivo Internacional Feminista, do qual ela fazia parte junto a outras feministas que influenciaram muito seu trabalho, como Mariarosa Dalla Costa, Selma James e Leopolda Fortunati. Outra experiência muito importante que marca o pensamento de Federici foi sua vivência na África, onde ela foi professora por vários anos na Nigéria. Os ensaios que compõem um de seus livros, O ponto zero da revolução, nos mostram como essa trajetória intelectual, política, ativista, determinam o pensamento de Federici, que está sempre em movimento, se atualizando e se repensando conforme as consequências devastadoras do neoliberalismo, sobretudo, nas partes do mundo que sofreram processos de colonização.
A filósofa nos mostra que a luta contra o capitalismo deve ser uma luta feminista, antirracista, anticolonial, que deve partir, portanto, de uma aliança das pautas de gênero, raça e classe. Em seu livro mais famoso no Brasil, Calibã e a bruxa, ela enfatiza a importância dessa aliança ao mostrar, com base em inúmeros documentos historiográficos, como, no início da Idade Moderna, o extermínio das mulheres foi um dos fundamentos do capitalismo, e como o extermínio como estratégia política se estendeu, ao mesmo tempo, aos povos originários da América e da África. Ou seja, no início da Era Moderna, o capitalismo se desenvolveu às custas da queima sistemática de mulheres na Europa (a chamada “caça às bruxas”), do genocídio dos povos indígenas na América e do tráfico negreiro dos povos africanos. Em todos esses casos, a expropriação da terra foi um fator comum que ligou os três extermínios. No século XVI, a prática de cercamento de campos, que foi a expropriação das terras comunais do campesinato, não significou senão uma política de cercamento dos corpos das mulheres: o estupro foi legalizado, o útero foi transformado em território político, transformado em uma máquina para reprodução da força de trabalho. A procriação foi instituída como norma e as mulheres que quebravam, de alguma forma, essa norma, eram torturadas e queimadas. Centenas de milhares de mulheres, acusadas de “crimes reprodutivos”, foram queimadas como “bruxas”.
Neste curso oferecido pelo Laboratório Filosofias do Tempo do Agora (LAFITA), “Sementes de Bruxas: escritas de mulheres que deslocam o eixo da história”, partiremos do método de Federici usado, sobretudo, em Calibã e a bruxa: o deslocamento do ponto de vista, o deslocamento do eixo da história. Nesse livro, Federici discorre sobre a transição do feudalismo para o capitalismo sob um ponto de vista que não nos foi contado, o ponto de vista das mulheres. Se Marx o viu a partir do homem branco europeu operário e assalariado, Federici o vê a partir das mulheres pobres e camponesas que resistiam e/ou não se adequavam ao modelo de capitalismo que estava sendo implantando na época.
Para se consolidar, o capitalismo precisou destruir o poder das mulheres sobre seus próprios corpos e os laços comunais que as unia. Isso incide fortemente sobre a linguagem, sobre a necessidade de uma captura da linguagem que foi colocada a serviço da degradação das mulheres e da construção de um modelo de feminilidade ideal. Então, no nosso curso, primeiro iremos apresentar uma exposição geral do pensamento de Federici, fazendo um diagnóstico, entre história e filosofia, das mulheres na Era Moderna e do pensamento da Federici na filosofia. As aulas seguintes vão trazer questões mais específicas, especialmente, no que tange à linguagem: a domesticação da linguagem e a transformação do significado da palavra “fofoca”, que, na Idade Média significava “amiga”, e, no período da Inquisição, na “caça às bruxas”, passou a adquirir uma conotação degradante. Por fim, iremos desdobrar a relação entre feminino e linguagem, trazendo para a conversa Walter Benjamin e Jacques Lacan, pensando como uma experiência feminina da linguagem como “tagarelice” pode ser pensada de uma forma afirmativa e propositiva, indicando outra possibilidade de laço social.
Para se inscrever, acesse https://www.tempodoagora.org/cursos
Serão 04 aulas, dos dias 27/10 a 05/11, às terças e quintas-feiras, às 19h, ao vivo pelo YouTube.
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